#8 Os filmes que assisti no SXSW25
E que você deveria ficar de olho para quando estrearem por aqui – alguns, sabe-se lá quando (infelizmente)
Era um sonho antigo ir para o South by Southwest, conhecido como SXSW ou South By para os íntimos. Um festival que carrega no nome uma homenagem ao clássico de Alfred Hitchcock, “North by Northwest” (1959), não deixaria a desejar na curadoria.

Antes, vale uma breve explicação: lá em Austin, a programação é dividida em quatro frentes, Conference, Film & TV, Music e Comedy. A conferência é onde acontecem as palestras dos mais diversos temas, que vão desde pesquisas de futuristas até uma conversa entre Ben Stiller e Eddy Cue sobre “Severance”. Os outros três festivais acontecem de maneira paralela, com lançamentos, pitch de novos projetos, shows em diversos espaços e apresentações em clubes – se quiser saber mais detalhes, indico acompanhar a Oxygen, hub de curadoria de conteúdo de tendências e inovação.
É uma loucura, mas foi uma experiência maravilhosa, um aprendizado que me trouxe bastante inspiração. Sinto que, às vezes, perdemos a capacidade de apreciar as coisas que vão acontecendo por conta da crueldade da rotina – um assunto para depois.

Aqui, gostaria de compartilhar os filmes que assisti, porque gostei, porque não gostei (tem disso), e os motivos para que eles fiquem no seu radar. Muitas das sessões que fui tinham a participação da equipe técnica e/ou do elenco em um Q&A organizado após a exibição – o que deixou a experiência do festival ainda mais divertida. Vamos lá?
Satisfaction
Para mim, um dos melhores filmes já feitos sobre trauma e dor femininos. A protagonista é uma compositora daquelas que nasceu para fazer isso, uma pessoa que respira música, vive música, transforma tudo em música, é música. Em uma festa na casa da namorada, ela conhece um cara também da indústria, mas com 1/10 de seu talento. Eles ficam amigos, mas algo estranho sempre fica no ar. Ele rouba uma melodia dela e vende para uma gravadora sem dar os devidos créditos, tem contrato assinado e não faz nada para reparar o dano além de um “sorry, don’t hate me”.
Achando que já era o pior que poderia esperar deste homem, ele ainda comete um crime grave contra a personagem principal e a deixa em um estado de transe. Apesar de parecer simples, e feito com pouquíssimos atores, duas ou três locações, Satisfaction é um potente retrato da dor de uma mulher que se silencia. A diretora e roteirista, Alex Burunova, que ficou 10 anos trabalhando na história, faz a audiência mergulhar nas profundezas sem sinal de resgate. É sensível e dura ao mesmo tempo, poética e literal também. Sabe equilibrar todas as pontas e nos emocionar na medida certa.
The True Beauty of Being Bitten by a Tick
Nada me tira da energia de filme estranho com gente esquisita – culpem o Lynch. Esse aqui, de Pete Ohs, é algo entre o universo lynchiano e o começo da carreira de Yorgos Lanthimos, portanto, prato cheio para experiências desconcertantes. Em determinado momento, não sabia se estava entendendo, e quando cheguei no final, parecia o começo. A inspiração veio do êxodo urbano que rolou durante a pandemia de Covid-19, quando muitos estavam trocando os alugueis injustificáveis de Nova York por uma vida mais tranquila no interior.
O criador achava curioso ouvir de tantos amigos gays e mulheres o mesmo comportamento, com as mesmas desculpas e resolveu se perguntar: o que esse povo está fazendo lá? Daí decidiu criar o filme mais absurdo que poderia resultar dessa resposta, e qualquer coisa que eu diga a partir daqui pode atrapalhar a sua experiência – mesmo. Palmas lentas para o trabalho de edição de som, mixagem e masterização.
Arrest the Midwife
Eu saí do Brasil destinada a assistir esse filme, porque me intriga demais as comunidades Amish e Menonite dos Estados Unidos. Mais ainda saber como essas mulheres, que normalmente são apolíticas, se envolveram em uma movimentação parlamentar para conseguir reverter a lei de Nova York para reconhecer as “midwives” (doulas, parteiras) como uma profissão oficial. A diretora, Elaine Epstein, constroi um olhar íntimo e respeitoso, que não julga ou condena as escolhas dessas mulheres, mas chama a audiência para uma conversa sobre direitos reprodutivos.
Acompanhamos três midwives, que são investigadas pelo FBI por exercerem tal “trabalho proibido” e que são indiciadas por diversos crimes – uma delas por homicídio. A escolha do parto em casa deveria ser respeitada tanto quanto a de ir para um hospital, e existem diversas regras e formações para uma mulher ser midwife. Diante do cenário, moradores locais se unem para enfrentar a onda de desinformação e preconceito, propondo resoluções práticas e políticas para proteger as comunidades.
On Swift Horses
Para quem gosta de “Carol”, de Todd Haynes, não pode perder esse filme. Assim como na história de Patricia Highsmith, que causou alvoroço na época do lançamento de “The Price of Salt” por apresentar um final feliz para uma história lésbica, a autora Shannon Pufahl olha para a comunidade queer dos Estados Unidos dos anos 1950 com carinho. Com roteiro adaptado do romance por Bryce Kass e direção de Daniel Minahan, este drama familiar mostra um casal tentando retornar à rotina após o retorno do marido da Guerra da Coreia. Tudo se interrompe com a chegada do cunhado de Muriel (Daisy Edgar-Jones), Julius (Jacob Elordi), que foi suspenso do exército e não tem onde ficar.
Ele causa uma rachadura na idealização da vida tradicional e provoca ambos a testar limites da razão, principalmente Muriel, incentivando jogos de azar, flertes proibidos e uma nova perspectiva para além daquilo que ela foi ensinada a desejar. Achei maravilhoso ver Jacob Elordi em um papel que não é do “boy lixo” contemporâneo, se arriscando sem qualquer pudor. Também é bonito se sentir parte da trama, cheia de reviravoltas, a partir da direção de arte e figurino.
Odyssey
Respira fundo e vai. Um filme que, sem qualquer aviso, escalona suas tensões para caminhos totalmente inesperados e finaliza a narrativa com um quê de surrealismo – fiquei boquiaberta. Natasha Flynn é uma corretora de imóveis em Londres, bem-sucedida, ambiciosa e um pouco mentirosa. Vamos ao dentista com ela, nas visitas aos apartamentos e casas com preços superfaturados da capital inglesa, nas reuniões, lidando com colegas de trabalho, tudo envelopado num ritmo frenético e câmera em movimento, o que proporciona uma sensação de perigo iminente.
O dia a dia dela vira do avesso quando o seu crush de noites barulhentas regadas a cocaína a envolve no sequestro de seu maior concorrente. É um jogo de xadrez nonsense bem amarrado pelo diretor Gerard Johnson, que orquestra tudo isso de maneira brilhante e irônica como só os ingleses são capazes de fazer.
Holland
Falando em thriller com plot twists, esse aqui é prato cheio para quem curte o gênero. Também não posso dar muitos detalhes sem estragar a grande surpresa da história, mas posso dizer que Nicole Kidman tem escolhido muito bem os seus papeis. Neste, ela vive Nancy, uma professora e dona de casa que ama viver na cidade de Holland, no Michigan. Entre aulas de sapateado, missas e refeições impecáveis, ela desconfia que está sendo traída.
Disposta a descobrir mais detalhes desse affair, ela convida o professor e amigo pessoal Dave (Gael García Bernal) para ajudar na missão. O problema é que nem eles, nem a gente estávamos preparados para o que veio depois. Apesar de não ter gostado de “Fresh”, debut de Mimi Cave, acredito que a diretora tem um ótimo caminho cinematográfico pela frente, que mistura suspense com pautas feministas de maneira original – e tragicômica. Esse já está disponível no Prime Video ;)
Corina
Depois de tantos filmes densos e intensos, venho aqui com uma indicação mais divertida, com um quê almodovariano. A diretora mexicana Urzula Barba Hopfner nos apresenta a sua personagem-título, uma jovem mulher com uma condição emocional que a impede de viver fora dos limites do bairro. O medo instaurado pelo trauma familiar – seu pai faleceu após um grave acidente de carro – pauta sua rotina sistemática. Qualquer novidade assusta a garota.
Com uma estética colorida e uma música que dita o tom da comédia, “Corina” avança para o campo do desconhecido quando sua protagonista comete um erro na editora que trabalha e precisa embarcar em uma saga secreta para resolver o problema. Adoro a performance da atriz Naian González Norvind, que entendeu muito bem as peculiaridades da personagem e transformou isso em ruídos cômicos.
Real Faces
Tenho sentido cada vez mais o realismo fantástico ser incorporado por diretoras em suas histórias, mesmo que de maneira sutil como faz a belga Leni Huyghe. Sua protagonista é uma diretora de elenco que se muda para Bruxelas para novas oportunidades de trabalho e acaba alugando um quarto na casa do microbiologista Eliott. Enquanto a vemos procurar novos não-modelos para uma ambiciosa campanha de perfume, também percebemos a sua sensibilidade inerente no âmbito pessoal. É aquele tipo de filme que nada acontece, tudo acontece.
A amizade dos roommates avança à medida que eles passam a compartilhar suas histórias e pensamentos mundanos. As personalidades diferentes e as carreiras distantes deixam de ser um espaço oco e passam a incrementar os respectivos pontos de vista. Tudo muda após Julia cruzar a linha do profissional-pessoal, o que acaba colocando em risco a relação tão bonita que eles formaram.
Make It Look Real
Outro documentário que estava ansiosa para assistir era esse aqui, que acompanha uma coordenadora de intimidade ao longo da produção de um filme de comédia romântica australiano. Antes de vê-lo, pensei que seria algo mais voltado para o mercado em ascensão, principalmente depois da era #MeToo, mas acabei me surpreendendo positivamente com a condução da diretora Kate Blackmore.
A inglesa Claire Warden é contratada para auxiliar os três atores de “Tightrope” a realizarem as cenas íntimas do roteiro de maneira segura e respeitosa. É incrível poder adentrar em cada minucioso passo deste cargo, ainda estigmatizado. São conversas com os atores, com o diretor-roteirista, com a equipe de figurino, com a equipe de direção de fotografia, com a produção. Existem ensaios, vai e vem de decisões de consentimento e por aí vai. É uma profissão técnica e as cenas também, apesar de não parecerem – aí entra a mágica do título: faça parecer real. Passei a admirar ainda mais a profissão.
Hallow Road
Babak Anvari desenvolve um suspense com dois atores dentro de um carro, uma tarefa complexa que é bem conduzida pelo roteiro de William Gillies. Rosamund Pike e Matthew Rhys interpretam os pais de uma jovem que sofreu um acidente em uma região afastada do centro da cidade. A mãe é paramédica, então tenta, via ligação, ajudar a filha a socorrer a outra garota envolvida. No caminho de mais de uma hora, que é basicamente o corpo principal do filme, ficamos imersos na claustrofobia desta relação familiar cheia de rusgas.
As coisas passam a ter outro peso quando uma mulher vê Alice (Megan McDonnell) tentando encobrir a situação e decide ajudar. É angustiante porque tudo se passa na comunicação via telefone, não somos testemunhas do outro lado da linha, só ouvimos vozes e barulhos, assim como os pais, deixando a tensão lá no alto. A resolução da história me pareceu ou brilhante demais ou preguiçosa demais – acho que preciso rever para tirar uma conclusão mais palpável.
The Age of Disclosure
Entrando no âmbito decepções (rs)… Quando vi a descrição deste documentário, fiquei impressionada. “Membros do alto escalão do governo dos Estados Unidos falam pela primeira vez sobre as provas confidenciais de que existe vida extraterrestre.” Eu, que amo qualquer assunto envolvendo o espaço, nem hesitei. O começo foi instigante: ex-militares e cientistas contratados “off the book” dando detalhes de situações que presenciaram durante missões secretas de investigação de inteligência não humana em diferentes partes do mundo.
Depois, como os estadunidenses sabem fazer, tudo virou sobre o quão grandioso é o país e como tudo isso deve ser uma corrida contra China e Rússia. Vilaniza uns, enaltece outros, transforma tudo em um maniqueismo que beira o doentio e estraga a força da existência do filme. Em determinado momento, fiquei com a sensação de ser uma seita de UFOs ou mais uma teoria da conspiração. Uma pena.
Ash
Coincidência ou não, outro filme na lista dos que não gostei também tem a ver com o espaço. Este sci-fi de Flying Lotus (multiartista sobrinho neto de Alice Coltrane – apenas) tem ótimas ideias e péssimas execuções. A história é sobre uma tripulante que acorda em um planeta distante e descobre que todos os outros membros da missão foram assassinados. Sem conseguir se lembrar de nada, ela desconfia da presença de outro astronauta que aparece para ajudá-la. Mas seria ele o problema ou sua salvação?
Soa incrível, mas é uma pena que a direção deixa a desejar, principalmente na condução dos atores. A protagonista é vivida por Eiza González, que fica num misto de Gal Gadot e Tomb Raider em uma performance caricata e melodramática (no sentido ruim). Outros membros do elenco também seguem a mesma linha e nem o nosso eterno Jesse, Aaron Paul, é capaz de salvar essa salada de referências da sua decadência. Para não dizer que tudo é absolutamente ruim, as cenas de luta e muito sangue são bem filmadas.
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que lista maravilhosa! queremos Paula em Cannes